Soldadinhos de chumbo

Era uma vez um garotinho chamado Marcos. Ele tinha uma coleção de soldadinhos de chumbo que amava muito! Não tinha problemas em emprestá-los para os colegas desde que eles cuidassem bem de seus bonequinhos. Os soldadinhos eram tão bem cuidados e amados que alguns amigos de Marcos chegaram a fazer proposta de trocas.

– Por favor, Marcos! – disse Lara –, você pode ficar com a minha coleção de conchas inteirinha!

– Eu dou todas as minhas cartinhas Pokemon – implorou Caio –, em troca de um soldadinho de chumbo, esse mais brilhante aqui, ó…

Mas a resposta era sempre a mesma:
– Não posso, gente! Vocês não sabem os nomes deles, nem o que cada um gosta, seus medos, seus sonhos. Nem o potencial de cada um vocês conhecem. Eu os conheço e eles precisam do
meu cuidado.

Uma vez, Marcos estava brincando com seus soldadinhos e imaginou como seria legal se eles pudessem falar e se mexer de verdade, podendo viver todo o heroísmo que ele acreditava que
seus bravos guerreiros possuíam em suas aventuras imaginárias. Nesse mesmo instante – talvez movida pelo amor que Marcos sentia pelos seus bonecos – uma fada apareceu no quarto de Marcos! Ele ficou muito assustado, mas ao mesmo tempo maravilhado com a luz azul, rosa e amarela que encheu seu quarto – parecia que o amanhecer havia invadido todo o ambiente.

– Não tenha medo, Marcos – disse a fada numa voz suave e encorajadora. – Meu nome é Aurora, e fiquei interessada no seu desejo.

– Que desejo? – perguntou ele com medo. Ele não havia falado nada, apenas pensado.

– Seu amor por esses soldadinhos é tão forte que não pude deixar escutar seu coração cantando para que eles tivessem vida. É isso que você quer?

– S.. Sim… – disse ele, ainda confuso. Sim, eu gostaria que eles tivessem vida, que fossem como nós, seres humanos!

– Muito bem! Isso não será algo fácil, você verá. Sacrifícios serão necessários. Mas estou interessada em ver até onde vai o seu amor por esses bonecos.

Ela não tinha varinha de condão como as fadas tradicionais, nem usava pozinho mágico. As palavras dela soavam como música e tinham um peso de verdade, tão solene que até o vento ficou em silêncio para ouvir o que estava sendo dito. Enfim um clarão mais forte que o
primeiro encheu o quarto onde estavam, reforçando a intensidade do momento com um som que parecia o de uma orquestra. Depois, o silêncio e a escuridão. Marcos esfregou os dois
olhos para ver se voltava a enxergar direito e aos poucos foi percebendo que tudo parecia normal, nada era diferente. Os bonecos não se mexiam, continuavam de chumbo.

– Será que foi um sonho doido?
Ele já ia guardando os bonecos, um pouco frustrado já que a expectativa de ver seus soldadinhos vivos era grande, até que, ao pegar um deles, ouviu uma voz baixinha mas forte reclamando por estre seus dedos:

– O que você está fazendo? Deixe-me no chão!

Com um susto, Marcos soltou o boneco, que já ia caindo ao chão. Sorte que ele tinha bons reflexos e conseguiu pegá-lo antes que batesse no piso.

– Soldado Rian… é você?

– Claro que sou eu! Peço a gentileza de me colocar no chão.

Marcos não estava entendendo. O soldado podia falar! E percebeu que os outros de sua coleção também resmungavam no canto do quarto.

– Vocês estão vivos! A Aurora trouxe vocês à vida… Que legal!

Mas uma coisa parecia estranha: eles podiam falar, mas não podiam se mexer. Marcos colocou todos os bonecos enfileirados, tentando entender o que estava acontecendo.

– Não imaginava que isso fosse possível – vocês estão falando! Mas quando ouvi o que a fada Aurora disse que faria pensei que vocês se tornariam pessoas de verdade para entrarmos em uma aventura emocionante. Porque vocês não podem se mexer?

– Ora essa – disse a tenente Jordânia – não é óbvio? Somos de chumbo, não podemos nos mexer.

– Mas com aquele poder todo, pensei que ela pudesse transformar vocês.

– Ela bem que queria – disse o soldado Thomas –, mas preferimos viver assim. É o que somos!

– Mas assim vocês não podem se movimentar! Cabo Charles, você era o mais bravo e amigo de todos. Devia ver nas nossas aventuras, como você saltava alto e resgatava pessoas, enfrentando seus medos. E você, soldado Maria, era a soldado mulher mais corajosa que eu já
vi. Enfrentou sozinha a ameaça do Imperador Carter, que queria destruir todo o exército de vocês.

– É, essas histórias parecem interessantes, mas nossa estrutura parece dar firmeza para nós. Não sei se traria alguma vantagem a possibilidade mexermos nosso corpo. Sem contar que
deve doer muito isso de você ser transformado – imagina, mudar de chumbo para osso e carne? Dói só de imaginar!

Marcos ficou frustrado. Na verdade, ele ficou extremamente triste – “como eles não querem ficar vivos por completo? Como eles preferem ficar presos ao invés de experimentarem aventuras?”. Isso o levou a chorar. Os soldadinhos nem deram tanta importância para a tristeza de seu dono, afinal eles estavam convencidos de que o estado deles era o melhor. A cena era mesmo de cortar o coração! Tanto que, a compaixão que o caso exigia chamou novamente a atenção de Aurora. Ela tocou no ombro de Marcos gentilmente e começou a chorar junto com ele. Ele sem levantar a cabeça disse entre soluços: “como eles podem ser tão
cabeças-duras! Não sabem que eles são melhores do que isso?”

– Na verdade, eles não sabem! – Disse Aurora, enxugando as lágrimas de Marcos e as suas próprias. – Alguém precisa mostrar isso para eles.

– Mas eu já falei. O que mais eu posso fazer?

– Falar não convence tanto quanto mostrar. O ideal era que alguém como eles aceitasse passar pelo processo completo de transformação para que se convençam de que há um jeito melhor
de viver.

– Mas quem poderia ser essa pessoa? Ninguém parece convencido disso…

– Há um jeito! Mas, como eu disse no início, exige um sacrifício muito grande.

– Por favor – disse Marcos ansioso – diga-me o que pode ser feito!

– Alguém que ame demais esses soldadinhos obstinados, precisa se transformar em um deles, tornar-se chumbo, para que passe pelo processo de transformação que eles precisam passar,
provando que há um jeito melhor de viver.

– Eu amo esses bonecos. Topo fazer isso!

– Mas, Marcos – disse Aurora com uma voz grave, mostrando a seriedade do desafio –, não será nada fácil. Seus soldados têm razão – é muito dolorida a mudança! Além do mais, não é garantido que todos serão convencidos. Mesmo assim você estaria disposto? Você abriria mão de ser um ser humano, para se tornar um soldadinho de chumbo?

Um frio passou pela barriga de Marcos. Ele amava ser um ser humano – poder brincar, se mexer, abraçar, comer, dormir, gargalhar… Mas ele queria ver seus soldadinhos experimentando as coisas boas dos seres humanos e, melhor, podendo fazer aquelas coisas
que ele sabia que os bonecos eram capazes de fazer de acordo com o potencial de cada um.

Depois de alguns segundos de reflexão, ele disse, decidido:

– Eu estou disposto!

Diferente da primeira vez, a fada apenas deu um beijo na testa de Marcos, e em um piscar de olhos ele se viu transformado em um soldadinho de chumbo. Era estranho, porque ele nunca
havia se sentido tão duro, tão imóvel, mas ao mesmo tempo a posição era confortável, não parecia prejudica-lo a princípio. Contudo ele estava focado no seu propósito – “quero mostrar
para meus soldadinhos que eles podem ser melhores”. Quando ele abriu os olhos viu que estava no meio deles e todos estavam se perguntando como Marcos havia se transformado em chumbo e por quê. Como ele não conseguia mexer seu corpo, apenas seus olhos e boca,
ele só via o que estava em sua frente. Não percebeu, portanto, que ao seu lado uma voz dizia é a hora de começar a transformação: tente virar a sua cabeça. Na hora uma dor insuportável
atingiu seu pescoço, como se várias facas perfurassem sua pele. Ele gritou de dor! Ao som do seu berro, os demais soldadinhos começaram a ter reações diferentes.

– Esse garoto é doido! Vai acabar morrendo de tanta dor.

– Coitado, por que ele está se sacrificando tanto?

– Desista, você não vai aguentar!

Se ele tivesse lágrimas com certeza não pararia de derramá-las. Mas a lembrança de como era bom ser um ser humano e de que valeria a pena passar por aquilo o motivou a continuar.

– Agora, abaixe seus braços – sussurrou a voz.

Marcos ficou feliz ao conseguir ver que era Aurora que estava do seu lado, dando as orientações. Mas o sofrimento era muito grande! Seus braços pareciam queimar a medida que ele os tentava baixar. E os gritos só aumentavam.

– Pare com isso, seu doido! Não vê que você está deixando de ser um soldadinho de chumbo? Você está nos envergonhando!

Poucos eram os que se compadeciam, e destes poucos, somente alguns lembravam do que Marcos havia falado e demonstrado anteriormente – “ele parece nos amar de verdade, está
sofrendo por nós!”

Marcos achou que não aguentaria, mesmo já podendo mexer cabeça e braços.

– Por favor, não sei se serei capaz de aguentar mais! – disse ele.

– Marcos, você os ama de verdade, eu sei disso – disse Aurora. – Não desista agora! Vamos, mexa seu tronco e pernas!
O coração de Marcos, que antes era de chumbo duro, agora batia forte, tão forte que parecia que iria enfartar! Doía os braços, o peito, e já era possível ver lágrimas saindo dos seus olhos de chumbo. Nunca no mundo dos soldadinhos alguém havia sentido tamanha dor!

Alguns bonequinhos pensaram até em matar Marcos de tanta raiva que sentiam dele por estar fazendo esta transformação. Mas ninguém poderia matá-lo – ele mesmo estava se entregando à “morte”, ao quebrar a dureza do chumbo que poderia impedi-lo de ser quem ele de fato era.

No final da transformação, Marcos já estava exausto e acabou caindo no chão. “Morreu!” alguém disse. E, então, muitos fecharam os olhos, pensando que finalmente aquele traidor havia morrido. Outros, também de olhos fechados, nem queriam pensar no que viram, apenas
aproveitar sua dureza de movimentos. Mas alguns, de forma milagrosa, viram que de seus olhos saiam lágrimas! E que algo batia dentro do peito deles. Sem saber, a transformação de Marcos liberou um tipo de poder mágico que começou a transformar alguns soldadinhos de
chumbo. “Eu quero poder me mover para abraça-lo” disse a tenente Jordânia. E meio desengonçada, começou a caminhar em direção a Marcos, que agora possuía a pele ainda resistente e na cor chumbo, mas seus membros eram maleáveis – ele não estava preso à
dureza do chumbo. O máximo que ela fez foi se ajoelhar – ainda estava meio dura. E como um milagre Marcos se levantou, como tivesse acordado de um sono, e deu um abraço forte em Jordânia.

– É possível! É possível você mudar – acredite em mim. Eu consegui vencer a dureza.

Nessa hora, o mesmo clarão cor de nascer do sol que havia invadido o quarto de Marcos, na primeira vez que Aurora apareceu, voltou a reluzir. E Marcos se viu deitado em sua cama, como criança novamente. Tudo parecia ter sido um sonho, mas alguma esperança maravilhosa havia surgido no coração de Marcos: coisas que parecem impossíveis, como chumbo se tornar maleável, podem de fato acontecer!

Conto baseado na analogia do soldadinho de chumbo de C.S.Lewis, no livro Cristianismo Puro e Simples, que explica a encarnação do “Filho de Deus que se fez homem para que os homens pudessem se tornar filhos de Deus”.

O Lado Bom da Vida – 5 lições

o-lado-bom-da-vida

Acho que nunca tinha feito isso, começar e terminar um livro em um dia apenas. Exceto com livros infantis de letras grandes e gravuras. Ontem decidi ler o livro “O Lado Bom da Vida”. Sim, aquele que inspirou a adaptação cinematográfica homônima. Tenho que dizer que o filme de David O. Russell mudou fui um tanto diferente da história original de Matthew Quick, o escritor. Mas não vou entrar no mérito da discussão, uma vez que uma querida amiga, Clara, reforçou aqui a ideia de que não é preciso haver discussões se o livro é melhor que o filme ou vice-versa, uma vez que livro e cinema são obras diferentes e precisam ser apreciadas respeitando suas individualidades.

Li rápido assim exatamente por causa desta minha amiga. Ela compartilhou comigo que havia escrito num blog sobre o livro/filme e queria que eu lesse seu post. Mas ao começar a leitura vi que algumas das informações que ela dava estavam ligadas ao enredo literário. Logo, tive que me voltar primeiro para escritor Matthew antes de terminar com as impressões de Clara. E foi bem legal a leitura! Principalmente porque aprendi algumas coisas com Pat People, o protagonista do “próprio filme de sua vida”. Para não tornar meu texto longo vou omitir a sinopse do livro que pode ser lida aqui. Mas digo que Pat é um personagem extremamente otimista, e minhas lições têm muito a ver com esta postura determinada. Chega a beirar a utopia, mas é um comportamento até bonito de ser ver por ser ingênuo e puro.

Lição 1 – O ser humano é movido por algo que dê sentido à sua vida. É impressionante a determinação de Pat para se tornar alguém melhor para sua amada. O (mau) humor do pai de Pat mudava de acordo com o resultado dos jogos de seu time favorito, os Eagles. Tiffani, a nova amiga de Pat, estava obcecada por ganhar um “concurso” de dança (e outras coisas mais que você precisa ler no livro para saber rs) e estava disposta a qualquer coisa. Enfim… Precisamos de um motivo para viver, sorrir, nos relacionar!

Lição 2 – O problema é qual é a motivação que escolhemos ou o sentido para onde vamos. Uma boa motivação extrai de nós força descomunal, uma tal que nem imaginávamos ser capazes de ter para a realização da caminhada e alcance do nosso objetivo. Mas uma motivação utópica para na experiência da caminhada, porque nunca nos permitirá chegar ao destino almejado. As vezes a caminhada é excelente, tornando-nos até pessoas melhores, mas o fim é verdadeiro? Se não, uma frustração gigantesca pode nos destruir…

Lição 3 – A necessidade de aceitação (que é um tipo de motivação) é um combustível poderoso que nos impulsiona a caminhar, mas altamente inflamável – se você não supre essa necessidade, assim como se você não alcança seu sentido utópico, sua autoestima será destruída (provavelmente) e você não verá razão para tanto esforço, “uma tremenda perda de tempo. Que vontade de morrer!”.

Lição 4 – Às vezes perdemos o “lado bom da vida” porque achamos que ele se encontra apenas no alcance da nossa meta. O destino real (não utópico), como disse antes, é importantíssimo. Mas o processo revela “lados bons” que desperdiçamos muitas vezes. Se são percebidos podem nos ajudar a caminhar com mais força e por mais tempo – como os amigos inesperados ou a família estranha que temos.

Lição 5 – Mais uma lição: a importância dos bons valores na busca de boas metas. Pat se viu tentado a “trair” sua esposa e seu propósito algumas vezes, mas respondia sempre com “eu sou casado”. Além disso, via a importância de ser gentil e servir as pessoas. Esses eram os bons valores. Mas alguns “maus valores” o atrapalharam também na sua caminhada – a visão de Deus como alguém que age sob a lei da Ação e Reação de Newton ou o apego exagerado à culpa, sem desfruto da graça e do perdão, próprio e dos outros.

Pode ser que ajam mais. Sempre dá para tirar lições de histórias que trazem o ser humano transparente, sem maquiagens. E isso foi o que Matthew fez, na simplicidade dos registros da vida de Pat, que davam até gastura de tanta determinação e ingenuidade, mas que trazia o esboço da fragilidade de uma mente perturbada e ansiosa por alcançar sua meta. Estou pronto para o próximo livro de um dia e mais lições.

As pessoas são como flores…

Quando a gente menos espera somos um compêndio de sentimentos. Um buraco fundo, não preparado, mas que recebe uma turba d´’agua, uma cachoeira. E esta são os sentimentos. Somos formados pela raiva, medo, ódio, orgulho, paixão, encanto, alegria, assombro, festividade, luto, guerra, leveza, graça, perdão. Somos traspassados por experiências, cicatrizados por elas. As pessoas, são elas as responsáveis por tais experiências. Nós também, fazemos isto a nós mesmos. De formas boas, outras não tão boas. Outras terríveis e nos resta chorar.

Sim eu choro. Não sei exatamente o por quê, não me lembro, mas choro. E não me envergonho disto. Sei que acho bonito chorar. Às vezes penso nele como uma poesia, assim como um sorriso ao por do sol. É assim que o coração canta. E sempre há esperança de alguns dedos tentarem secar seus olhos molhados, e de uma voz sussurrando “está tudo bem, vai ficar tudo bem”.

Eu não tenho certeza, mas os homens parecem flores – são vidas frágeis. Qualquer um pode pisar e acabar com elas. Ou cheirá-las e encontrar perfume. Há uma escolha aí. Eu escolho como tratar as pessoas e escolho ser vulnerável a elas. Novamente estarei diante de um turbilhão de sentimentos. As escolhas certas irão regar a flor e a medida da raiva, do medo, do ódio, do orgulho, da paixão, do encanto, da alegria, do assombro, da festividade, do luto, da guerra, da leveza, da graça, do perdão, será dosada – quase um filete, apenas a regar. Agora o soluço se foi. É bem provável que eu pare de chorar a qualquer momento. Só não gostaria de esquecer a lição.

[Texto que “vomitei” depois de assistir “As Vantagens de Ser Invisível”. Bom filme!]

Dilma e o descrédito do discurso

No dia 21 de junho de 2013, nossa presidenta Dilma Rousseff apresentou em rede nacional um discurso em resposta às manifestações* que vem acontecendo em diversas cidades brasileiras.

Isto, claro, não poderia deixar de receber comentários no Facebook. E como era de se esperar, a maioria eram comentários de descrédito. Em um momento onde a figura política é mal vista, seria (quase) impossível esboçar algum sentimento de simpatia às palavras de qualquer líder governamental. Apesar disso, esforcei-me em direção a este sentimento de simpatia.

Explico por quê. Esta semana comecei a estudar o livro Por Que Confiar na Bíblia? com alguns adolescentes da minha igreja. O livro é apologético e busca defender a Bíblia como um livro verdadeiro e digno de confiança que é. Não quero entrar no mérito da questão. Apenas evidencio um dos argumentos da autora:

“A ideia de que nenhum texto tem um significado definitivo vem se tornando cada vez mais forte no atual contexto pós-moderno, com enormes implicações para a comunicação do evangelho.” (Amy Orr-Ewing, Ultimato, 2008)

Apesar da defesa dela estar ligada à Bíblia e a propagação da verdade, acredito firmemente que poderíamos colocar o ponto final logo depois da palavra “comunicação” e afirmarmos que a comunicação entre as pessoas, sobre qualquer instância, tem sido prejudicada pelo fato da fala ou da escrita não ter um significado inerente, ou seja, seu significado é relativo. Esta crença está muito ligada a impressão (real) de que eu posso tirar as minhas próprias conclusões, reforçado inclusive pelo contexto em que estou inserido, sobre aquilo que leio ou ouço de alguém. A leitura de qualquer texto hoje em dia parte, na maioria das vezes, primeiro das minhas impressões e pensamentos, e não do que realmente o texto quer dizer.

O que isto tem a ver com o pronunciamento da Dilma? Os comentários que li agora pouco pela rede social estão carregados de conceitos estabelecidos à figura do político – “toda oportunidade que este tem de falar é, com certeza, para apresentar discurso cheio de promessas, costurado por palavras que busquem agradar qualquer tipo de pessoas, com o intuito apenas de enganar a população”. Eu não questiono aqui a veracidade deste pensamento. Eu mesmo penso assim muitas vezes. Mas tenho buscado acreditar que não posso ignorar o que políticos (ou pessoas no geral) falam, e não posso encarar estas falas como falsas logo de cara por causa das minhas impressões e leituras. Do contrário não haverá comunicação. Preciso ler a pessoa a partir do que ela fala, acreditando naquele momento (pelo menos) de que seu pensamento é verdadeiro, para que minha resposta seja coerente ao que acabei de ouvir, para que cheguemos a um fim comum. Pode ser que eu descubra que no discurso ouvido há sim mentiras e falsas intenções no cumprimento das promessas, mas isso precisa ser descoberto pelo diálogo, não por pré-conceitos estabelecidos.

Neste momento de protestos em prol de melhorias no governo e no país como um todo, ouvir com honestidade o que nossos governantes falam depois que de gritarmos pelas ruas, é extremamente necessário para haver mudanças reais no nosso país. Se a Dilma está prometendo discutir sobre o repasse de 100% dos royalties do petróleo para educação, perguntemos a ela como pretende fazer isso, qual o planejamento envolvido, quais serão os sistemas de transparência utilizados para acompanharmos se de fato eles serão aplicados. Se ela promete elaborar um Plano Nacional de Mobilidade Urbana, devemos acompanhar seu discurso para ver se ela não esquece de “detalhes” como superlotação, baixa qualidade dos transportes públicos, péssimo planejamento urbano, causadores de engarrafamentos. Entende? Nossas respostas e refutações devem ser em cima do que ela tem dito, crendo que é possível que a fala dela seja verdade. Afinal de contas não são estas algumas das coisas que o Brasil vem exigindo nas últimas passeatas? Se descartarmos o que uma das figuras mais importantes do nosso país está prometendo, acho difícil caminharmos para mudanças.

Nosso papel é acompanhar aqueles que elegemos, exigirmos sim uma postura prática diante da realidade escandalosa, e não apenas torná-los alvos de críticas e retaliações. Não devemos seguir nenhum dos extremos de posicionamento político (esquerda ou direita) e minha intenção com este texto não é, de forma alguma, defender Dilma como símbolo partidário. Minha vontade é caminhar pra frente, como uma amiga minha comentou (também no Facebook), e ver o país caminhando também rumo a mudanças.

* As manifestações, engatilhadas pelo aumento da taxa dos transportes públicos, são de pautas diversas, e expressam o desejo por um país mais justo, que privilegie o atendimento de necessidades básicas, como saúde e educação, e menos corrupto, exercendo transparência nos atos regidos pelos três poderes do país. A declaração da Dilma reconheceu a legitimidade dos movimentos pacíficos de protesto, repudiou os atos de vandalismo de grupos menores, e apresentou abertura ao diálogo, para que decisões objetivas e mudanças sejam providenciadas.

//Cumprimentos e a Terceira lei de Newton

Domingo passado encontrei um amigo meu. Ele tem 8 anos. O encontro foi num corredor não muito comprido, dono de umas 6 a 8 portas. Fui beber água e lá estava ele, saindo de uma das portas. Assim que me viu abriu um sorrisão. Eu fiz o mesmo. Enquanto eu tomava água, ele caminhava em minha direção com um andar quase marrento. Como qualquer garoto dessa idade um cumprimento maneiro tem seu lugar. Ele escolheu um contemporâneo – um tapa na mão do parceiro, seguido de um soco. Apesar da não originalidade da saudação, senti firmeza, força até. Confesso, doeu um pouco. Mas fiz pose de durão. Ele, por sua vez, apesar de muito macho, foi mais sincero. “Ai! Doeu em mim, vei!”. Desde novo aprendendo a terceira lei de Newton. Não pude evitar outro sorriso e me identifiquei – “senti uma dorzinha também”.

Diante da cena fiquei filosofando: é bem verdade a máxima de que “aquilo que você planta, isto você vai colher”. E não é nada diferente nos relacionamentos! Se demonstro amor e afeto a uma pessoa, a chance de ser amado de volta é grande. Assim como se machuco ou irrito alguém, corro o mesmo risco de ser machucado ou irritado por este mesmo alguém (ou até por uma gangue amiga deste alguém!). E esta reação pode ser imediatamente a seguir à minha ação ou vir tempos depois.

Agora, um detalhe que não havia atentado até encontrar esse meu amiguinho: independente de quando a reação da outra pessoa virá, é certo que no exato momento da minha ação já é possível sentir seus efeitos. Veja bem, quando meu amigo me cumprimentou, eu não fiz praticamente nada além de estender a mão para que ele pudesse bater. Se eu fosse da idade dele ou um pouco mais revoltadinho do que sou poderia revidar o cumprimento e bater de volta em sua mão com a mesma força ou com uma maior. Esta seria a minha reação a ação dele. Mas eu não fiz nada – fiquei imóvel. E mesmo assim ele sentiu dor, efeito imediato e proporcional à força empregada no ato de me cumprimentar.

Penso que, quando faço bem ou quando magoo outra pessoa, independente da reação desta, já é possível sentir o efeito da minha ação. Eu sinto prazer, e um sorriso logo vem, quando vejo que fiz a coisa certa para com o outro. E, da mesma forma, sinto-me mal ao ver que poderia fazer o bem ao outro e não faço ou, pelo menos, evitado de fazer o mal e não, da mesma forma, não evito. Dói, isto sem uma reação da pessoa que ofendi.

A percepção dessa “reação” de que estou falando depende muito da sensibilidade de cada um. Têm pessoas que são totalmente insensíveis e por isso se tornam um poço de grosseria. E têm pessoas que são sensíveis ao extremo, que se sentem culpadas por qualquer suspiro desferido em direção ao próximo. Independente disso, esta “reação” nos afeta significativamente – inclusive, potencializando a nossa sensibilidade ou insensibilidade se não lidarmos com maturidade ou se a ignorarmos.

Esta filosofia toda é pra dizer que não vou deixar de cumprimentar ou receber os cumprimentos do meu amiguinho (ou amigões) – independente da força empregada, inclusive. Mas, quero tomar cuidado com minhas ações que podem realmente ferir o coração deste meu amiguinho (e dos meus amigões). Posso me ferir na mesma intensidade.