Dilma e o descrédito do discurso

No dia 21 de junho de 2013, nossa presidenta Dilma Rousseff apresentou em rede nacional um discurso em resposta às manifestações* que vem acontecendo em diversas cidades brasileiras.

Isto, claro, não poderia deixar de receber comentários no Facebook. E como era de se esperar, a maioria eram comentários de descrédito. Em um momento onde a figura política é mal vista, seria (quase) impossível esboçar algum sentimento de simpatia às palavras de qualquer líder governamental. Apesar disso, esforcei-me em direção a este sentimento de simpatia.

Explico por quê. Esta semana comecei a estudar o livro Por Que Confiar na Bíblia? com alguns adolescentes da minha igreja. O livro é apologético e busca defender a Bíblia como um livro verdadeiro e digno de confiança que é. Não quero entrar no mérito da questão. Apenas evidencio um dos argumentos da autora:

“A ideia de que nenhum texto tem um significado definitivo vem se tornando cada vez mais forte no atual contexto pós-moderno, com enormes implicações para a comunicação do evangelho.” (Amy Orr-Ewing, Ultimato, 2008)

Apesar da defesa dela estar ligada à Bíblia e a propagação da verdade, acredito firmemente que poderíamos colocar o ponto final logo depois da palavra “comunicação” e afirmarmos que a comunicação entre as pessoas, sobre qualquer instância, tem sido prejudicada pelo fato da fala ou da escrita não ter um significado inerente, ou seja, seu significado é relativo. Esta crença está muito ligada a impressão (real) de que eu posso tirar as minhas próprias conclusões, reforçado inclusive pelo contexto em que estou inserido, sobre aquilo que leio ou ouço de alguém. A leitura de qualquer texto hoje em dia parte, na maioria das vezes, primeiro das minhas impressões e pensamentos, e não do que realmente o texto quer dizer.

O que isto tem a ver com o pronunciamento da Dilma? Os comentários que li agora pouco pela rede social estão carregados de conceitos estabelecidos à figura do político – “toda oportunidade que este tem de falar é, com certeza, para apresentar discurso cheio de promessas, costurado por palavras que busquem agradar qualquer tipo de pessoas, com o intuito apenas de enganar a população”. Eu não questiono aqui a veracidade deste pensamento. Eu mesmo penso assim muitas vezes. Mas tenho buscado acreditar que não posso ignorar o que políticos (ou pessoas no geral) falam, e não posso encarar estas falas como falsas logo de cara por causa das minhas impressões e leituras. Do contrário não haverá comunicação. Preciso ler a pessoa a partir do que ela fala, acreditando naquele momento (pelo menos) de que seu pensamento é verdadeiro, para que minha resposta seja coerente ao que acabei de ouvir, para que cheguemos a um fim comum. Pode ser que eu descubra que no discurso ouvido há sim mentiras e falsas intenções no cumprimento das promessas, mas isso precisa ser descoberto pelo diálogo, não por pré-conceitos estabelecidos.

Neste momento de protestos em prol de melhorias no governo e no país como um todo, ouvir com honestidade o que nossos governantes falam depois que de gritarmos pelas ruas, é extremamente necessário para haver mudanças reais no nosso país. Se a Dilma está prometendo discutir sobre o repasse de 100% dos royalties do petróleo para educação, perguntemos a ela como pretende fazer isso, qual o planejamento envolvido, quais serão os sistemas de transparência utilizados para acompanharmos se de fato eles serão aplicados. Se ela promete elaborar um Plano Nacional de Mobilidade Urbana, devemos acompanhar seu discurso para ver se ela não esquece de “detalhes” como superlotação, baixa qualidade dos transportes públicos, péssimo planejamento urbano, causadores de engarrafamentos. Entende? Nossas respostas e refutações devem ser em cima do que ela tem dito, crendo que é possível que a fala dela seja verdade. Afinal de contas não são estas algumas das coisas que o Brasil vem exigindo nas últimas passeatas? Se descartarmos o que uma das figuras mais importantes do nosso país está prometendo, acho difícil caminharmos para mudanças.

Nosso papel é acompanhar aqueles que elegemos, exigirmos sim uma postura prática diante da realidade escandalosa, e não apenas torná-los alvos de críticas e retaliações. Não devemos seguir nenhum dos extremos de posicionamento político (esquerda ou direita) e minha intenção com este texto não é, de forma alguma, defender Dilma como símbolo partidário. Minha vontade é caminhar pra frente, como uma amiga minha comentou (também no Facebook), e ver o país caminhando também rumo a mudanças.

* As manifestações, engatilhadas pelo aumento da taxa dos transportes públicos, são de pautas diversas, e expressam o desejo por um país mais justo, que privilegie o atendimento de necessidades básicas, como saúde e educação, e menos corrupto, exercendo transparência nos atos regidos pelos três poderes do país. A declaração da Dilma reconheceu a legitimidade dos movimentos pacíficos de protesto, repudiou os atos de vandalismo de grupos menores, e apresentou abertura ao diálogo, para que decisões objetivas e mudanças sejam providenciadas.